Consequências mentais após trauma das chuvas no Rio Grande do Sul

Por Nicole Rangel

Os prejuízos na saúde dos gaúchos devido às fortes chuvas e inundações vão muito além do âmbito físico: as vítimas do desastre podem experimentar sofrimentos mentais em razão do trauma. 

Imagem: Reuters/Diego Vara

Um termo que já vem sendo utilizado por especialistas é a “Ansiedade climática” ou “Eco-ansiedade”, que descreve um sofrimento mental em resposta a alguma catástrofe climática. Segundo a Associação Americana de Psicologia, Ansiedade Climática “é o medo crônico da catástrofe ambiental”, não sendo ainda um diagnóstico clínico.

Um estudo publicado pelo jornal científico PLOS Biology analisou a saúde mental de 250 alunos de cursos da área de ciências biológicas. Suas observações mostraram um número alto dos participantes da pesquisa com eco-ansiedade ou ansiedade ambiental, recebendo depoimento de alguns alunos que afirmaram que seus estudos e conhecimentos na área de biologia os fazem mais preocupados com o meio ambiente e estressados com questões climáticas. 


Apesar de por vezes não ser chamado nominalmente como “eco-ansiedade” ou ansiedade climática, a condição já acomete alguns dos gaúchos que passaram pelo trauma do desastre das chuvas. Segundo o professor convidado da pós-graduação em Psiquiatria da PUC-Rio Nilo Torturella (CRM 52402751), não há necessidade de rotular um tipo de ansiedade, mas sim entender que “essa condição é um transtorno pós-traumático em que a pessoa revive as emoções traumáticas do fato que representou algum problema à sua integridade”.

O psiquiatra também reforçou que o conceito de “gatilho” é real nessas experiências. Os gaúchos provavelmente terão dificuldades para lidar com chuvas fortes, frequentar lugares com rios ou ver cenas que os remetam ao trauma de alguma forma. Para além das pessoas que passaram pela situação pessoalmente, o médico ainda afirma que indivíduos de outros estados também podem experimentar sintomas mentais devido à catástrofe: “Assistindo a essas cenas, pessoas que moram em outros estados podem ter esses mesmos sintomas por acompanhar a história mesmo sem tê-la vivido pessoalmente.”

Quando questionado sobre o luto, o professor afirma que a condição não é constante: “O luto é como um pêndulo. A pessoa não necessariamente estará o tempo todo abalada e triste (...). Depende da circunstância e da resiliência pessoal do paciente”. Segundo o psiquiatra, a resiliência pessoal envolve a “capacidade de enfrentamento e transformação da situação em aprendizado”. 

De acordo com Nilo, ansiedade, estresse pós-traumático, luto e depressão são algumas das principais consequências mentais que os gaúchos devem experimentar a partir de agora. Para aliviar e tratar os sintomas dos afetados pela chuva, a recomendação do professor é, além de buscar ajuda médica (dentro das condições possíveis para os afetados pela chuva), buscar ajudar

A ajuda humanitária carrega muita força emocional. Às vezes você encontra um lugar de paz em um abraço, sorriso ou gesto.

Para os voluntários que estão ajudando as vítimas, a orientação do professor é sempre buscar o equilíbrio: “É aquela velha história de que você precisa se alimentar para ter força e ir buscar o alimento para o outro”. As equipes voluntárias devem se atentar também aos sintomas de sofrimento mental, a fim de tratar quaisquer condições que possam afetar seu desempenho na ajuda humanitária. 
Já ao fim de sua entrevista, Nilo afirma:

Talvez o maior prejuízo dessa catástrofe seja o emocional. As perdas materiais nós podemos recuperar, mas a dor que fica é que é a grande perda. E isso vai demandar um esforço muito grande.
— Prof. Nilo Torturella

O psiquiatra Nilo Torturella é professor do curso A Ciência da Felicidade - A Promoção do Bem-estar na Prática Clínica e professor convidado do curso de especialização em Psiquiatria da PUC-Rio.