Vírus da zika pode curar tumor cerebral

por Agnes Mendes

Pesquisadores brasileiros realizaram testes em cobaias e constataram que o vírus da zika pode ser usado para combater o meduloblastoma, tumor cerebral mais comum em crianças. Após a epidemia de 2015, que provocou mais de 2 mil casos de microcefalia em bebês recém-nascidos no Brasil, o vírus se tornou um vilão nacional.  Pesquisadores da USP e do Instituto Butantan perceberam que as células que o vírus da Zika ataca no cérebro estão presentes em alguns tumores. Resolveram então investigar a eficácia do vírus nesse tratamento e constataram que ele é capaz de controlar ou até eliminar a doença.

Durante a epidemia da zika, que causou o aumento dos casos de microcefalia, foi constatado que o vírus estava presente no líquido amniótico de mulheres infectadas pelo vírus durante a gravidez. No entanto, a relação de causalidade só foi analisada em um estudo realizado por pesquisadores americanos publicado em 2016 na revista científica Cell Stem Cell. Os cientistas determinaram que o zika é capaz de destruir ou impedir o crescimento de células progenitoras neurais, que constroem o cérebro e o sistema nervoso. Essas células dão origem ao córtex, área do cérebro que apresenta o volume reduzido na microcefalia. Essa característica motivou pesquisadores da Unicamp a investigar os impactos do vírus para o tratamento do glioblastoma, tumor cerebral maligno mais comum e agressivo em adultos. Eles descobriram que o zika é capaz de mudar completamente a morfologia das células do tumor em apenas 48 horas, causando um princípio de morte celular. Esse foi o estudo que antecedeu ao realizado pelos pesquisadores da USP e do Instituto Butantan, publicado na revista Cancer Research. 

Nele, os cientistas trataram dois tipos de câncer humanos em cobaias, o meduloblastoma e o tumor AT/RT (tumor teratóide rabdóide atípico). O primeiro é um tumor cerebral que tem origem na medula e atinge mais comumente crianças entre quatro e cinco anos, enquanto o AT/RT, outro tumor cerebral agressivo e de mau prognóstico, é mais comum até os três anos. Ao utilizar tumores humanos nas cobaias, os cientistas puderam testar o potencial de tratamento para os tumores em pessoas.

 
Imagem mostra a progressão do tumor (colorido) nos camundongos que receberam injeções do vírus (Fonte: Núcleo de Divulgação Científica da USP)

Imagem mostra a progressão do tumor (colorido) nos camundongos que receberam injeções do vírus (Fonte: Núcleo de Divulgação Científica da USP)

 

Para os testes, foram utilizados camundongos transgênicos sem sistema imunológico, para que não rejeitassem as células humanas. Cientistas, então, injetaram células tumorais nas cobaias e, por fim, o vírus da zika selvagem. Em três meses, o vírus conseguiu reduzir o tumor em 20 cobaias e eliminá-lo totalmente em 9. Além disso, não foi verificado nenhum vestígio do tumor na coluna vertebral, o que prova a eficácia do vírus para controlar a metástase. Os cientistas utilizaram um grupo de controle, no qual deixaram o câncer sem tratamento. As cobaias que participaram do grupo de controle morreram em duas semanas. Os pesquisadores esperam iniciar os testes em humanos nos próximos meses, para que a eficácia em indivíduos seja comprovada, mas os resultados são promissores.